Uma mulher que acompanha o seu tempo assim é a coreógrafa e diretora Regina Miranda. Um dos principais nomes da dança contemporânea nacional e internacional. Regina atravessa mundos e espaços. Dança, teatro e agora cinema. Inteligente e sensível e com uma profunda entrega no que faz Regina coleciona espetáculos, visões e passos.  Sua companhia “Atores-Bailarinos”  completou 40 anos e esse ano era para ser uma celebração ímpar. Não tem pandemia que irá afastar essa emoção que está por vir.

Regina é Diva. Claro, que esse título antes de tudo significa Deusa e é isso mesmo há deusas na Terra e Regina é uma delas. Tive o prazer de conhecê-la através do bailarino e ator sensacional Antonio Negreiros, e foi o máximo porque a minha intuição reconhece divas sem elas fazerem um esforço sequer. 

Conversamos um pouco sobre esse momento pandêmico e vamos conversar sempre.

1 – Como a dança entrou na sua vida?

A dança entrou na minha vida muito cedo. Eu era filha única,  minha mãe era pianista, ela tocava o dia inteiro e não podia ter muito barulho pela casa. Comecei a estudar piano por imposição materna. Então pedi a mamãe para estudar ballet, apenas para fugir um pouco daquele mundo centrado no piano.  Acontece que, nas aulas de ballet, tomei gosto pela dança. Vi que aquilo me interessava de verdade. Quis fugir de uma coisa e acabei achando a minha verdadeira vocação. E assim começou minha história com a dança.

 

2 – A decisão de ser bailarina e trabalhar com a dança foi difícil?

Por volta dos 14 anos já estava definido em mim que eu gostava mesmo era de dançar e que eu precisava me dedicar completamente a isso. Ao saber disso minha mãe agiu muito firme comigo e disse que, já que era assim, eu teria que ficar responsável por algumas despesas da casa. Ela queria que eu tivesse claro na minha mente, que uma escolha profissional significava poder ganhar dinheiro com aquilo. Foi difícil. No início tive que trabalhar fazendo traduções e dar aulas de expressão corporal para atores, pois eu não conseguia ganhar dinheiro com a dança. Mas com o tempo adquiri a necessária profissionalização, e não podia ser diferente, já que a dança se tornou a razão do meu viver.

3 – Como você implantou sua companhia de dança?

Foi um longo percurso entre ser uma bailarina clássica até formar minha própria companhia de dança. Primeiro fiz um concurso internacional de dança e fui aprovada para estudar na Academy Joffrey Ballet, em Nova York. Ali obtive um enorme aprendizado. Estudei dança e teatro na Juilliard School. E me formei analista Laban de movimento, ou seja, adquiri o conhecimento e a técnica do coreógrafo Rudolf Laban, o maior teórico da dança no século 20. Quando voltei ao Brasil estava com outra cabeça.

Fiz aulas com Isaura de Assis, uma grande professora de dança afro. Com toda a experiência que havia tido em Nova York, só pensava em abrir minha própria companhia. O próximo passo foi escolher meus próprios bailarinos. Formar um grupo onde a gente pudesse trabalhar com coragem e ousadia. Não queria ninguém apenas com uma formação acadêmica, busquei pessoas com experiências diferentes, em diversos tipos de dança.  

Regina Miranda

 4 – Você cria seus repertórios e coreografias? Como vem a inspiração?

Sempre quis ter em meu elenco bailarinos criadores. Pessoas que não apenas dançassem a partir de uma ordem do coreógrafo. Sempre foi importante para mim ter pessoas que participassem do processo de criação das coreografias. Tenho minhas próprias ideias, crio o argumento, desenvolvo o roteiro, mas faço questão que o bailarino participe do processo criativo, a partir dos seus sentimentos com relação a minha ideia.

Minha inspiração vem muito da literatura. Autores e livros me inspiram muito. Li a obra inteira da Marguerite Yourcenar para criar uma coreografia. Li a obra inteira da Virginia Wolf para elaborar um espetáculo. Então um livro ou um conto podem ser o ponto de partida para um trabalho de dança. Outra coisa que me inspira são imagens. Apenas imagens. Algo que eu vejo, registro na minha cabeça e tento recriar através da dança.

5 – Como é o processo do cotidiano de ensaios até conseguir o patrocínio? Todos da companhia contribuem?

O meu fazer artístico existe independente da questão financeira. Sendo assim, estou sempre trabalhando, criando, elaborando coreografias e tudo o mais. Desde o início da companhia houve  momentos difíceis, mas também aconteceram bons momentos, como na época em que tivemos um patrocínio da Prefeitura. Já fizemos espetáculos com bons patrocinadores, mas também fizemos espetáculos sem nenhum apoio financeiro.  Todos na companhia participam da busca por apoiadores, e também da procura por melhores condições de trabalho para a companhia.

6 – E o teatro? Quando e como você começou a incorporar os textos à sua coreografia?

Ainda garota eu fui aluna do Teatro Tablado e estudei teatro na Juilliard School, em Nova York.  Acho que um espetáculo de dança e um espetáculo teatral são coisas que estão muito associadas. Eu entendo o bailarino como uma espécie de ator. Na minha linguagem cênica dança, teatro e literatura se confundem com muita naturalidade.

7 – Dirigir filmes é sua nova paixão?

Tudo começou como apenas um desejo de investigação de linguagem. E isso resultou num filme chamado “Vislumbres” um curta-metragem sobre as escritoras Clarice Lispector e Maria Telles Ribeiro. Eu as conheci quando garota e sempre tive vontade de fazer algo sobre elas ou sobre o trabalho delas. Mais uma vez a literatura estimulando o meu fazer artístico. Tive a sorte de ter um excelente produtor, o Cavi Borges, que me ajudou muito e me mostrou muitos caminhos. O cinema é uma atividade artística fascinante. Aprendi tanto fazendo esse filme que agora até tenho vontade de dirigir outro.

8 – Agora com o Corana Vírus quais estão sendo as suas maiores dificuldades?

Tudo isso foi acontecer logo esse ano, quando nós íamos comemorar os quarenta anos da nossa companhia de dança. A gente queria comemorar apresentando um novo trabalho. Já estava tudo pronto, preparado pra gente comemorar no palco. Espetáculo pronto, datas agendadas. E tivemos que parar tudo. Houve uma grande frustração, é claro. Mas também existe o confronto com a realidade. Esse é o clima do planeta nesse momento e temos que enfrentar essa realidade da melhor forma possível. Como todo mundo, também estou aprendendo uma nova forma de viver. Não gosto dessa expressão “isolamento social”.

Não me sinto isolada socialmente de ninguém. O isolamento é apenas físico. Venho trabalhando no roteiro de um novo espetáculo, todo em função dessa nova realidade. Tenho tido momentos de altos e baixos, como todo mundo. Mas, ao mesmo tempo, tenho uma expectativa e uma curiosidade para saber como vai ser o mundo depois disso. Como é que vamos ser? Como é que vamos viver?

Com colaboração Waldir Leite